Mundo ao Leo

Esse blog não é um diário. É um compartilhar de como vejo o mundo. É uma mensagem numa garrafa jogada ao mar, pronta para algum navegante pegar na rede. lsmsoares@gmail.com

segunda-feira, novembro 03, 2008

Philip Marlowe numa Conversa de Bar



"-(...) O senhor acredita em Deus, meu jovem?

Era um longo desvio, mas eu teria que percorrê-lo.

- Se o senhor se refere a um Deus onisciente e onipotente, que planejou todas as coisas exatamente como elas são, então a resposta é não.

- Pois deveria acreditar, sr. Marlowe. É um grande conforto. No fim da vida, todos nós acabamos nos aproximando Dele, pois vamos morrer e virar pó. Talvez para o indivíduo isso seja tudo, talvez não. Há grandes dificuldades envolvendo a vida após a morte. Não creio que eu pudesse realmente aproveitar um paraíso em que tivesse que dividir meu espaço com um pigmeu do Congo, ou um trabalhador chinês, ou um traficante levantino de tapetes, ou mesmo um produtor de Hollywood. Sou um esnobe, suponho, e a observação é no mau sentido. Também não consigo imaginar um paraíso governado por um sujeito com uma longa barba branca, conhecido pelos locais como Deus. Essas são concepções tolas de mentes imaturas. Mas não se pode questionar as convicções de um fiel, por mais idiotas que elas sejam. Por outro lado, como posso imaginar um inferno em que um bebê que morreu sem batismo ocupa a mesma posição que um assassino de aluguel, ou um comandante nazista de um campo de concentração, ou um membro do Politburo? Como é estranho que as mais elevadas aspirações do homem, pequeno e sujo animal que é, e que também suas ações, seu grande e generoso heroísmo, sua coragem constante e diária no embate com um mundo cruel - como é estranho que essas coisas sejam muito mais importantes que seu simples destino nesta terra. É preciso encontrar uma razão para isso. Não me diga que a honra é meramente uma reação química ou que um homem que deliberadamente sacrifica sua vida por outro está meramente seguindo um padrão de comportamento. Deus está feliz com o gato que morre envenenado e sozinho, atacado por convulsões, atrás de um painel? Deus está feliz com a crueldade da vida que faz com que apenas os mais adaptados sobrevivam? Mais adaptados para o quê? Ah, não, longe disso. Se Deus fosse onipotente e onisciente no sentido literal, nem teria se dado ao trabalho de criar o universo. Não há sucesso onde não há possibilidade de falha, nenhuma arte sem a resistência do meio. É uma blasfêmia sugerir que Deus não está num bom dia quando as coisas não dão certo e que os dias divinos são muito, muito longos?"


--------------Trecho do livro Para sempre ou nunca mais (Playback) de Raymond Chandler.


Foto: Cena do Filme "V de Vingança" (Recomendo!)

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Texto denso. O livro deve ser muito interessante e deve levantar altas discussões. Sei um pouco do que você pensa sobre este assunto e acho que ficaríamos horas papeando. Que saudade eu tenho disso!

P.S.: tô muito feliz de você voltar a escrever.

3:58 PM  

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