Mundo ao Leo

Esse blog não é um diário. É um compartilhar de como vejo o mundo. É uma mensagem numa garrafa jogada ao mar, pronta para algum navegante pegar na rede. lsmsoares@gmail.com

quarta-feira, abril 05, 2006

A compaixão de um herói

Muita gente não sabe, mas me tornei ainda mais sensível depois que quebrei a perna. Quando se fica sozinho com um gato em um apartamento, temporariamente aleijado, a sua visão de mundo é obrigada a mudar. Talvez seja o silêncio do meu apartamento ou a re-tomada de consciência do meu corpo (e com isso a minha interação com a realidade).


Poderia contar aqui dezenas de momentos mágicos: de como sou tratado nos cinemas; o que todo taxista fala para mim; qual é o tipo de gente que vem te ajudar; como as pessoas interagem com alguém fragilizado fisicamente; e etc. Um dos momentos mais mágicos que passei foi com um aleijado de nascença no elevador. Estávamos ambos descendo em um elevardor de um prédio muito alto, eu acabara de ter uma consulta com meu médico.


O senhor, com as duas pernas tortas de nascença, também de muletas, bloqueia a porta do elevador e com um sorriso me informa: “Desce!”. Retribui o sorriso, meio sem graça, e como só havía nós dois no elevador, fiquei olhando para baixo. Ele então começou o diálogo.


“Foi no final da perna, perto do calcanhar?”


“Foi.”


“Ih... dizem que doi pra caramba. Foi jogando bola?”


“Moto. Derrapei numa curva, e ela caiu por cima de mim.”


“Acontece... Teve que operar?”


“Não. Ela quebrou no lugar.”


“Então é só cuidar que vai ficar tudo bem.”


O elevador chegou ao térreo, ele travou a porta para eu passar (aprendi naquele momento como funcionam as muletas), e com um sorriso (sempre) me desejou “melhoras e tudo de bom”.


Sabe...a minha condição é temporária, tive uma vida super normal, e em um mês a terei de volta. Vou voltar a correr no Aterro do Flamengo, e a fazer todas as outras pequenas coisas que todo mundo faz quando se tem as duas pernas boas e que não se dá conta. Aquele senhor de 50 anos, de 1,60m estava com compaixão por mim, no sentido da palavra (paixão=dor, compaixão=compartilhar a dor). Ele que não me conhecia, mas de alguma maneira, por saber das dificuldades de se relacionar com o mundo naquelas condições, teve compaixão por mim, e nem por um momento ví rancor ou auto-piedade nele.


Se isso não é ser um herói, eu não sei o que é.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Realmente muito sensível essa história, aliás acho que foi a mais interessante que você escreveu.
Beijos,
Mary

5:37 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Histórias como essa mostram um lado seu que hj em dia não vejo em quase ninguém, muito menos em homens. E isso te torna muuuuito especial, menininho. Muito... relato lindo. comovente, no tom certo. E vc me diz que está velho para começar a escrever? Leo, eu consegui "ver" a cena completa na minha cabeça. Você foi capaz disso. Vc escreveu de forma que pude assistir o diálogo.

9:08 PM  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial